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Decisões judiciais e arbitrais

Portugal - 

Newsletter Fiscal Portugal - Maio 2018

Tribunal arbitral decide que serviços de nutrição prestados por um ginásio podem ser autonomizados para o IVA (Decisão arbitral no âmbito do Processo n.º 454/2017-T, de 2 de abril de 2018)  

A questão jurídica em causa consistia em decidir se os serviços de nutrição (isentos de IVA) prestados por um ginásio deviam ser considerados uma prestação acessória em relação à prestação principal (atividades de ginásio), formando com esta uma prestação complexa e única, e, por esse motivo, tributados como uma prestação única à taxa de 23%, ou se se tratam de prestações cindíveis, individualmente tributáveis.

A Requerente era uma sociedade dedicada à prestação de serviços relacionados com desporto que estava registada para o exercício de várias atividades relacionadas com a atividade física.

Dos diversos tarifários praticados pela Requerente, alguns incluíam a possibilidade dos clientes gozarem de um acompanhamento nutricional mensal. Por sua vez, os clientes podiam optar pelo tarifário que mais se lhes adequava, podendo usufruir apenas da componente de ginásio, sem a consulta de nutrição.

Consoante se tratasse de serviços de ginásio ou de acompanhamento nutricional, as faturas emitidas e comunicadas pela Requerente à Autoridade Tributária (“AT”) continham uma única parcela, sujeita à taxa normal de IVA ou isenta (cf. artigo 9.º do Código do IVA), ou duas parcelas, uma sujeita à taxa normal de IVA e outra isenta.

A Requerente fora objeto de um procedimento de inspeção externa para os anos de 2015 e 2016, tendo sido notificada do relatório final de inspeção tributária, do qual constou um montante de imposto a pagar no valor global de 59.752,10€ e a liquidação de juros compensatórios no valor de 1.777,68€. De acordo com a AT, a prestação de serviços de nutrição era uma prestação de serviços acessória, que não constituía para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador.

O Tribunal considerou que a prestação de serviços de nutrição era, no caso em apreço, autonomizável das prestações que integravam a atividade principal da Requerente, alertando, porém, que apenas se poderia determinar se os diversos serviços eram ou não associáveis de forma casuística. Para tal, o Tribunal tomou em consideração os factos que denotavam autonomia entre as prestações, ou seja, aqueles que demonstrassem que tinha havido uma efetiva prestação de serviços de nutrição. De entre os diversos factos elencados, destacamos os seguintes: a Requerente colocou efetivamente à disposição dos seus clientes serviços de acompanhamento nutricional em duas tardes por semana; os serviços foram prestados nas instalações da Requerente; a Requerente disponibilizava consultas de nutrição avulsas, inclusive para não sócios; para a prestação dos serviços de nutrição aos seus clientes, a Requerente subcontratou os serviços de uma nutricionista a uma sociedade que se dedicava à prestação de serviços de cuidados de saúde.

Diz ainda o Tribunal ser relativamente comum que os operadores económicos (entidades de telecomunicações, bancárias, transportes, turismo) diversifiquem a sua atividade e agreguem prestações de serviços em pacotes, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a clientela, em relação à sua contratação dispersa. Por outro lado, nada indiciava que os serviços de “ginásio” ficavam prejudicados se o cliente não aderir ao pacote com a prestação de serviços de nutrição, visando este serviço extra somente explorar a motivação da clientela dos serviços de “ginásio” (perda de peso, por exemplo).

Por último, considerou o Tribunal que não existia uma situação de fraude e evasão fiscal através da manipulação dos valores económicos das prestações, uma vez que, de acordo com o Tribunal, o preço das consultas de nutrição avulsas e incluídas nos diversos pacotes estavam em conformidade com os valores de mercado e situavam-se dentro da margem de liberdade de atuação comercial.

Não é inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que se exige a prévia reclamação graciosa para efeitos de vinculação da AT à jurisdição da arbitragem tributária (Acórdão do Tribunal Constitucional no âmbito do Processo n.º636/2017, de 11 de maio de 2018)

Por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária em Matéria Tributária (“RJAT”), a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais depende do disposto na Portaria n.º 11-A/2011 (“portaria de vinculação”). De acordo com a mesma, a AT não se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais quanto a “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário [“CPPT”]” [cf. artigo 2.º, al. a) da portaria de vinculação].

O pedido arbitral que deu origem ao recurso para o Tribunal Constitucional (“TC”) tinha por objeto um ato tributário de autoliquidação que tinha sido precedido por um recurso administrativo diferente da via administrativa prevista no artigo 131.º do CPPT – tinha-se feito uso da revisão de ato tributário (prevista no 78.º da Lei Geral Tributária - “LGT”), ao invés de se recorrer à reclamação graciosa (consagrada no artigo 68.º e seguintes do CPPT). 

Segundo a AT, para que o tribunal arbitral se pudesse pronunciar validamente, era obrigatória a precedência de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, e não de revisão oficiosa, uma vez que a portaria de vinculação não faz menção a esta forma de procedimento enquanto expediente prévio necessário para a vinculação da AT à arbitragem.

A AT recorreu para o Tribunal Constitucional, visando a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade do artigo 2.º, al. a), da citada portaria de vinculação na interpretação normativa segundo a qual se considera um pedido de revisão oficiosa equivalente aos pedidos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, encontrando-se a AT, nos casos em que tal ocorra, abrangida pela jurisdição dos tribunais arbitrais.

Para a AT, tal interpretação violava os princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes, do direito de acesso à justiça e da legalidade no corolário de indisponibilidade dos créditos tributários, visto estar-se a alargar o âmbito da vinculação da AT, o que determinava a dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, com a subsequente renúncia ao recurso jurisdicional pleno. A interpretação supra mencionada estava, por isso, a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários.

A Recorrida, por sua vez, entendia que a arbitragem tributária, enquanto instituto de resolução alternativa de litígios, não devia estar sujeita a regras interpretativas diferentes do sistema judicial, onde é pacífico não ser de excluir a apreciação de autoliquidações, retenções na fonte e pagamentos por conta, apenas por se ter feito uso de uma via administrativa diferente da reclamação graciosa. O objetivo prosseguido pelas normas é apenas o de dar à AT a oportunidade para se pronunciar previamente relativamente à impugnação judicial (ou arbitragem), sendo indiferente se o procedimento administrativo usado é a reclamação graciosa ou a revisão oficiosa. Não existe, por este motivo, qualquer alargamento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

Para o TC, não estava em causa o princípio de garantia de acesso à justiça e aos tribunais, mas a dimensão de acesso a uma via de recurso. Efetivamente, o que a AT contestava era o regime restritivo de recorribilidade das decisões e que, por causa desse regime, delimitava-se a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários. Esta questão encontra-se fora do âmbito da norma da portaria de vinculação, na medida em que resulta de uma norma autónoma do RJAT (o artigo 25.º), com um âmbito de aplicação distinto. Por sua vez, a norma em análise [o artigo 2.º, al. a) da portaria de vinculação] não tem potencialidade de afetar a garantia de recurso judicial, uma vez que apenas incide sobre a delimitação do âmbito de jurisdição dos tribunais arbitrais.

Assim, conclui o TC pela não inconstitucionalidade da norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu reclamação graciosa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011.

Encontram-se excluídos de IVA os serviços prestados no estrangeiro por uma equipa médica para efeitos de adaptação de um imóvel a um hospital (Decisão arbitral no âmbito do Processo n.º 432/2017-T, de 16 de março de 2018

Uma prestação de serviços que não dependa de uma “adequada estrutura empresarial” não deve impedir o adquirente de deduzir o IVA.

O litígio em causa tinha por objeto a interpretação da exclusão de tributação em sede de IVA, prevista na alínea a) do n.º 7 do artigo 6.º do Código do IVA, segundo a qual não são tributáveis em Portugal as prestações de serviços relacionadas com um imóvel sito fora do território nacional. Levantava-se ainda o problema da não-aceitação, por parte da AT, da dedução do IVA suportado pela Requerente, dado a prestadora de serviços “H” ter liquidado indevidamente o imposto (liquidou o IVA sem o ter entregue ao Estado).

No âmbito do contrato celebrado pela Requerente e o sujeito passivo “B”, os serviços prestados pela primeira implicaram deslocações da sua equipa médica à Argélia com vista a transformar um imóvel já construído num hospital. Para tal, (i) foi estudado todo o equipamento médico a aplicar no hospital, a sua estrutura e disposição, (ii) foi avaliada a aptidão desses aparelhos médicos para os fins a que se destinavam, (iii) foi estudada a localização de cada um dos aparelhos médicos no local projetado, e, por último, (iv) foi sugerida a reorganização e/ou o redimensionamento do espaço e a relocalização dos aparelhos médicos. Os serviços prestados pela Requerente destinaram-se, por isso, a adaptar o imóvel à funcionalidade de hospital para que o empreiteiro conseguisse entregar ao dono da obra o hospital “chave na mão”.

Segundo a AT, os serviços prestados estavam relacionados com a utilização a dar ao imóvel – logo atos relacionados com cuidados médicos – e não serviços diretamente relacionados com o próprio imóvel. 

A Requerente, por sua vez, defendia que a norma em causa não enumera de forma exaustiva os serviços relacionados com bens imóveis, limitando-se a exemplificar algumas das prestações de serviços que determinam a sua aplicação, para além de que os serviços apresentam uma relação direta com imóveis, o que é comprovado pelas deslocações e estadias efetuadas com vista à adaptação dos espaços para os fins específicos a que se destinavam.  

O tribunal arbitral considerou que a Requerente prestou serviços relacionados com os imóveis em causa, não havendo que liquidar IVA nos termos do artigo 6.º, n.º 7, al. a) do Código do IVA. Embora não tenha procedido por si à instalação de qualquer equipamento nos imóveis, forneceu a necessária orientação técnica em termos médicos à sua finalização, sendo claro que sem essa colaboração não teria sido possível entregar o hospital construído em condições de funcionar.

Por sua vez, quanto à não-aceitação da dedução do IVA suportado pela Requerente por liquidação indevida de imposto pela prestadora de serviços H, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. c), e 19.º, n.º 4, do Código do IVA, o tribunal arbitral julgou que se teria de aceitar a dedução do IVA em causa. Com efeito, não é manifesto que a Requerente pudesse aperceber-se de que a prestadora de serviços não iria entregar o montante de IVA cobrado ou que a sua estrutura fosse manifestamente desadequada para o trabalho prestado, dado estar-se perante um serviço de tradução linguística, que depende mais do conhecimento do prestador de serviços do que de quaisquer instalações ou equipamento básico que indiciem uma “adequada estrutura empresarial” (artigo 19.º, n.º 4, do Código do IVA).

Pelos motivos acima expostos, declarou o tribunal que a Requerente tinha o direito à não liquidação e à dedução do IVA.