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Supremo Tribunal de Justiça (Portugal): Venda judicial de imóvel hipotecado com arrendamento posterior à hipoteca não faz caducar os direitos do locatário

Portugal - 

Alerta Contencioso e Arbitragem Portugal

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferiu Acórdão uniformizador de jurisprudência (Acórdão do STJ nº 2/2021, de 5.07.2021) no seguinte sentido: “A venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), conjugado com o artigo 1057º do Código Civil (CC), sendo inaplicável o disposto no nº 2 do artigo 824º do CC.

O referido Acórdão foi em 5.08.2021 publicado em Diário da República, 1ª série e o presente Alerta expõe os pontos mais relevantes da fundamentação desta decisão.

I. Questão a resolver

Saber se a venda judicial, realizada no âmbito de liquidação efetuada em processo de insolvência do locador, de um imóvel hipotecado e posteriormente arrendado provoca a caducidade do arrendamento.

A decisão uniformizadora do STJ foi negativa.

II. Argumentos principais sustentados pelo STJ

a) Natureza obrigacional do contrato de arrendamento;

b) Na lista dos casos de caducidade do contrato de arrendamento (art. 1051º do CC) não consta a venda judicial;

c) A transmissão da posição do locador, realizada no processo de insolvência do locador, não afeta o contrato de arrendamento e a posição do arrendatário (art. 109º, nº 3 do CIRE e art. 1057º do CC);

d) Impossibilidade de aplicação analógica do art. 824º, nº 2 do CC, o qual, quanto à venda em execução, estabelece que “os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente desse registo”;

e) As recentes alterações legislativas operadas quanto ao arrendamento acentuaram o seu carácter transitório e tornaram-no num instrumento jurídico altamente rentável, não sendo possível continuar a defender que o arrendamento implique uma desvalorização ou oneração económica do bem, nem que fruste e/ou diminua a posição do credor reclamante.

III. Comentário

Esta decisão do STJ surge em sentido contrário à orientação maioritária até aqui seguida pelo STJ nesta matéria, a qual, ao decidir sobre esta questão, considerava caducado o contrato de arrendamento.

Tratando-se de uma decisão uniformizadora do STJ, a mesma adquire uma força persuasiva relevante para todos os tribunais que, a partir de agora, tenham que decidir esta questão.

É uma decisão controversa quanto à natureza, solidez e persuasão dos argumentos utilizados, como demonstra o próprio processo de votação desta decisão por parte dos juízes do STJ (15 votos a favor vs 14 votos contra).   

Trata-se de uma decisão que, embora limitada à venda realizada em processo de insolvência, alerta para possíveis impactos nas vendas judiciais realizadas em ações executivas e é suscetível de aumentar o nível de litigância relativamente aos processos de venda judicial de bens hipotecados.