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'Whistleblowing': novas obrigações para as empresas

Portugal - 

Comentário Laboral Portugal

Foi publicada em Diário da República a Lei n.º 93/2021, que transpõe a Diretiva (EU) 2019/1937 e que, cria, entre outras matérias, um conjunto de obrigações para as empresas e outras entidades públicas em matéria de proteção de denunciantes de infrações e de implementação de canais e procedimentos de denúncia internos.

1. Infrações suscetíveis de denúncia

A denúncia pode ter por objeto infrações cometidas, que estejam a ser cometidas ou cujo cometimento se possa razoavelmente prever, bem como tentativas de ocultação destas infrações.

É passível de denúncia qualquer infração que corresponda a um ato ou omissão contrário a normas de Direito da União Europeia, nomeadamente nas seguintes áreas:

2. Denunciante ('whistleblower')

Considera-se denunciante qualquer pessoa que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional.

É indiferente que a denúncia provenha de informações obtidas numa relação profissional vigente ou que já cessou, bem como durante a negociação pré-contratual da relação (por exemplo na fase de recrutamento).

São denunciantes, beneficiando do regime de proteção, nomeadamente:

  • Trabalhadores;
  • Prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores e as pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;
  • Titulares de participações sociais e membros de órgãos de administração ou gestão ou de órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo os não executivos;
  • Voluntários e estagiários.

O regime de proteção do denunciante é extensível às:

  • Pessoas singulares que auxiliem o denunciante na denúncia e cujo auxílio deva ser confidencial (por exemplo, representantes sindicais ou representantes dos trabalhadores);
  • Pessoas ligadas ao denunciante que possam ser alvo de retaliação num contexto profissional, designadamente colegas de trabalho ou familiares;
  • Pessoas coletivas ou equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante, para as quais o denunciante trabalhe ou com as quais esteja de algum modo ligado num contexto profissional.

3. Criação do canal de denúncia interno

Todas as empresas podem criar num canal de denúncia. Mas a sua criação é obrigatória para empresas ou outras pessoas coletivas de direito público, que:

  • Empreguem 50 ou mais trabalhadores;
  • Independentemente do número de trabalhadores, pessoas coletivas abrangidas pelo âmbito de aplicação da legislação relativa a serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, segurança dos transportes e proteção do ambiente.

As entidades que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores podem partilhar recursos para receber e dar seguimento às denúncias.

4. Caraterísticas do canal de denúncia interno

A criação e implementação de um canal de denúncia interno nas empresas serve para instituir um mecanismo que permita a apresentação e o seguimento seguro de denúncias, garantindo:

  1. A exaustividade, integridade e conservação das denúncias;
  2. A confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia;
  3. Que o acesso de pessoas não autorizadas à informação seja impedida;
  4. A independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesses das pessoas ou serviços designados pela empresa para a receção e seguimento das denúncias;
  5. A imediata eliminação de todos os dados pessoais que não sejam relevantes para o tratamento da denúncia.

Os canais de denúncia internos podem prever a apresentação de denúncias:

  1. Por escrito ou verbalmente. Quando os canais prevejam a possibilidade de denúncia verbal, estes devem permitir que a mesma seja apresentada por telefone ou outros sistemas de voz e, a pedido do denunciante, em reunião presencial.
  2. Anónimas ou com identificação do denunciante. Os canais de denúncia devem estar estruturados de forma a garantir o anonimato do denunciante e de quem recebeu informação sobre a denúncia. As informações que permitam deduzir a identidade são de acesso restrito a quem recebe e dá seguimento às denúncias.

A identidade do denunciante só pode ser divulgada:

  • Para cumprimento de obrigação legal ou decisão judicial; e
  • Após comunicação ao denunciante, por escrito, dos motivos para a divulgação dos dados, salvo se esta comunicação comprometer as investigações ou processos judiciais.

5. Procedimento

6. Registo e conservação de denúncias

Deve ser manter um registo das denúncias recebidas.

As denúncias verbais são registadas, com o consentimento do denunciante, da seguinte forma:

  • Se feitas através de telefone ou outro sistema de mensagem de voz gravada, em suporte duradouro e recuperável ou transcrição completa e exata da comunicação;
  • Caso o canal de denúncia verbal não permita a gravação, deve ser elaborada uma ata da comunicação;
  • Quando seja apresentada em reunião presencial, mediante gravação da comunicação em suporte duradouro e recuperável ou ata fidedigna.

O denunciante tem o direito de ver, retificar e aprovar a transcrição ou ata da comunicação ou reunião, assinando-a.

As denúncias devem ser conservadas, pelo menos, durante cinco anos, ou durante a pendência de processos judiciais ou administrativos relativos às denúncias, se estes forem, entretanto, instaurados.

7. Proteção do denunciante

É garantida proteção legal ao denunciante que denuncie ou divulgue publicamente infrações sempre que o faça de boa-fé e tenha fundamento sério para crer que as informações que denuncia são verdadeiras.

A lei proíbe a prática de atos de retaliação contra o denunciante. Consideram-se atos de retaliação os atos ou omissões, incluindo ameaças e tentativas de atos ou omissões, que, direta ou indiretamente, em contexto profissional e motivado pela denúncia interna, externa ou divulgação pública da infração pelo denunciante, cause ou possa causar a este último, de modo injustificado, danos patrimoniais ou morais.

A lei presume que são retaliatórios, se praticados até 2 anos após a denúncia ou divulgação pública:

Ocorrendo retaliação, o denunciante tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos.

8. Responsabilidade contraordenacional

A violação das regras previstas neste regime legal poderá constituir a prática de:

  • Contraordenações muito graves, puníveis com coimas de € 1.000,00 a € 250.000,00;
  • Contraordenações graves, puníveis com coimas de € 500,00 a € 125.000,00.

9. Entrada em vigor

A presente lei entrará em vigor a 18 de junho de 2022.