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Negociação coletiva:os novos problemas

Portugal - 

A conjuntura continua a colocar no caminho das relações laborais obstáculos súbitos, que obrigam uma reflexão inovadora e (para bem de todos) livre de preconceitos — ideológicos ou outros. Depois do teletrabalho massivo que a pandemia impôs, levando o legislador a rever o antigo e minimalista regime jurídico do teletrabalho, a guerra na Ucrânia trouxe uma realidade já quase esquecida por muitos e ainda desconhecida para alguns: uma enorme inflação.

Antes de fevereiro, a conjuntura em matéria de evolução de preços vinha sendo, de facto, fácil de gerir, nos planos legislativo e contratual. No plano legislativo, o Governo foi determinando aumentos anuais da retribuição mínima mensal garantida numa calendarização plurianual — exercício assente em previsões de inflação baixa. No plano da negociação coletiva, por seu turno, mesmo se o aumento da retribuição mínima mensal garantida foi desde logo determinando inevitáveis ajustamentos, o ponto de partida do lado dos trabalhadores não se alterou de modo estrutural: a reinvindicação continuou a ser a da tentativa de obter sucessivos aumentos salariais anuais, que eram aumentos do valor nominal, mas também do valor real — tudo na ótica da sua perspetiva da prossecução do chamado "não retrocesso social".

Concomitantemente, fruto de toda essa previsibilidade de evolução da inflação (ou também por isso), manteve-se a tradicional e enorme dificuldade em modernizar o conteúdo de muitos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, em trazer para as relações laborais um aggiornamento que já há muito foi conseguido pelos nossos parceiros da União Europeia (na lei, na contratação coletiva, ou em ambas).

Mas a realidade é implacável: quando nos tentávamos ainda despedir da pandemia, eis um nível de inflação que funciona como um coite exógeno e indesejado nos salários reais. E agora? Desde logo, uma previsão plurianual do aumento da retribuição mínima mensal garantida ficou comprometida. Por outro lado, as negociações coletivas terão de mudar (ao menos temporariamente) o paradigma que lhes esteve subjacente ao longo de tantos anos. Na verdade, de um lado estará a vontade de tentar obter previsibilidade de conservação do poder de compra, ou de limitar a dimensão da perda; do outro, a natural angústia de uma gestão a que a conjuntura ensombra com imprevisibilidade e que torna qualquer aumento um exercício de risco empresarial (ainda mais depois de dois anos extraordinariamente complexos), reforçando a necessidade de uma abordagem prudente. Reconheça-se ser difícil a tarefa que se apresenta aos que se sentarem à mesa das negociações coletivas em 2023.

Ser-lhes-á pedida, como sempre (se calhar mais do que nunca), capacidade de diálogo, flexibilidade e — porque não? — sentido de inovação. Deixar à porta das negociações a intenção de tentar negociar como se o mundo não mudasse e percebendo que a difícil realidade tem de ser gerida como é e não como gostaríamos que fosse será, certamente, um bom princípio e um bom ponto de partida.