O novo Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários introduz novidades no mercado secundário de dívida
Foi aprovado o novo Regime de Cessão e Gestão de Créditos Bancários (RCGCB), que transpõe a Diretiva (UE) 2021/2167 e regula a cessão e gestão de créditos no país. Com esta medida, pretende-se harmonizar o mercado secundário português de dívida com o de outros Estados-Membros da UE, facilitando operações mais competitivas e reforçando a segurança jurídica para instituições financeiras e adquirentes de créditos.
A Diretiva (UE) 2021/2167, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021 relativa aos gestores de créditos e aos adquirentes de créditos visa harmonizar o mercado secundário de crédito bancário no espaço comunitário nos Estados-Membros, criando condições para que um conjunto de entidades (com especial utilidade para as instituições de crédito) possam alienar posições em circunstâncias mais competitivas. Através do novo regime da cessão e gestão de créditos bancários, que consta do Anexo I do Decreto-Lei n.º 103/2025, 11 de setembro (DL 103/2025) que foi hoje publicado em Diário da República (RCGCB), o legislador português procurou proceder à transposição das normas constantes da referida Diretiva para o ordenamento jurídico nacional.
Para além dos impactos regulatórios, especialmente relevantes no contexto da atividade de gestão de créditos, o RCGCB introduz implicações práticas relevantes para o mercado secundário de créditos bancários.
Créditos e posições contratuais sujeitos às regras do RCGCB
Estão sujeitas ao RCGCB as cessões de créditos e de posições contratuais originadas por:
- Instituições de créditos, sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de pagamento com sede em Portugal.
- Instituições de créditos e instituições financeiras com sede no estrangeiro e estabelecidas em Portugal.
- Qualquer uma das entidades referidas atrás que esteja estabelecida na UE e habilitada a conceder crédito em Portugal ao abrigo do regime de livre prestação de serviços.
Entidades habilitadas a adquirir créditos e posições contratuais
A aquisição de créditos e de posições contratuais sujeitos ao RCGCB poderá ser feita pelas seguintes entidades:
Impactos contratuais nas operações de cessão de posição contratual – eficácia da cessão
A cessão de posições contratuais abrangidas pelo RCGCB não depende do consentimento do devedor quando este seja uma PME ou uma grande empresa, mas está sujeita ao seguinte:
- à contratação prévia de um gestor de créditos (servicer), quando aplicável. Este requisito poderá ser dispensado quando o adquirente do crédito ou posição contratual é o próprio servicer e pretende assumir essas funções no contexto da respetiva transação; e
- ao envio de notificação ao devedor no prazo de 10 dias após a cessão (e sempre antes da primeira cobrança), contendo a informação mínima prevista no RCGCB.
Princípio da neutralidade da cessão
O adquirente de créditos ou posições contratuais passa a estar sujeito à legislação aplicável ao crédito ou ao contrato de crédito nos mesmos termos em que estaria o originador (por exemplo, quanto a obrigações contratuais, regras de proteção do consumidor, entre outras). No entanto, caberá aos servicers assegurar o cumprimento deste princípio da neutralidade da cessão.
‘Due diligence’
Com vista a padronizar o processo de agregação de informação sobre créditos e posições contratuais a alienar, os originadores/vendedores de créditos passam a ter o dever de utilizar os modelos de dados previstos no Regulamento de Execução (UE) 2023/2083 da Comissão, de 26 de setembro de 2023 que estabelece normas técnicas de execução para a aplicação do artigo 16.º, n.º 1, da Diretiva (UE) 2021/2167 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos modelos a utilizar pelas instituições de crédito na prestação aos compradores de informações sobre as suas exposições ao risco de crédito da carteira bancária. Deste modo os potenciais adquirentes passarão a dispor de informação suficiente e padronizada entre os vários mercados da UE para avaliar o risco associado aos créditos ou posições a adquirir.
Outros pontos chave do RCGCB:
Supervisão: Compete ao Banco de Portugal a supervisão do cumprimento das normas relativas às transações de créditos e de posições contratuais sujeitas ao RCGCB.
Atividade de gestão de créditos (servicing): A atividade de gestão dos créditos sujeitos ao RCGCB passa a estar sujeita a requisitos de autorização, bem como de avaliação de adequação (fit & proper), podendo esta atividade ser realizada de forma transfronteiriça nos vários Estados Membros através do “passaporte” europeu.
Cessionário de país terceiro: Caso o cessionário não tenha residência, sede ou administração central na União Europeia, está obrigado a nomear um representante com residência, sede ou administração central num Estado-Membro que fará a interlocução com o Banco de Portugal e será responsável pelo cumprimento de deveres resultantes do RCGCB.
RGPD: Os originadores/cedentes, cessionários e gestores estão obrigados ao cumprimento de regras relativas ao tratamento de dados pessoais no contexto das operações abrangidas pelo RCGCB, sendo responsáveis pelo cumprimento dos deveres de informação, acesso, retificação, oposição e eliminação de dados.
Regime contraordenacional: O incumprimento de algumas normas previstas no RCGCB pode constituir contraordenações, passíveis de sanção pelo Banco de Portugal através de coimas e sanções acessórias.
Entrada em vigor: 90 dias após a data da sua publicação.
Aplicação no tempo: Sem prejuízo da entrada em vigor, existem normas que se aplicam por referência a créditos originados em momento anterior ao da publicação do RCGCB:
- o princípio da neutralidade da cessão é aplicável a créditos cuja cessão inicial foi feita a partir de 30 de dezembro de 2023;
- a utilização dos modelos de dados previstos no Regulamento de Execução (UE) 2023/2083 da Comissão, de 26 de setembro de 2023 é aplicável a operações de cessão relativamente a créditos originados a partir de 1 de julho de 2018 e que se tornaram em créditos não produtivos após 28 de dezembro de 2021.
Outros pontos chave do DL 103/2025
Titularização de créditos bancários:
- Eficácia da cessão: À semelhança do RCGCB, a cessão para titularização de créditos sujeitos ao RCGCB depende (i) da contratação de um gestor de créditos e (ii) da notificação ao devedor no prazo de 10 dias após a cessão (e sempre antes da primeira cobrança).
- Venda de créditos produtivos: Passa a ser expressamente admitida a venda de créditos produtivos titularizados a OIAs de Créditos, alinhando o Regime da Titularização de Créditos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, conforme alterado) com o Regime da Gestão de Ativos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, conforme alterado) e com o RCGCB.
Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal: O acesso à Central de Responsabilidades de Crédito é alargado a: (i) OIAs de Créditos, (ii) prestadores de serviços de financiamento colaborativo na modalidade de empréstimo, e (iii) gestores de créditos autorizados nos termos do RCGCB (para efeitos de renegociação de créditos).
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