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Envelhecimento e trabalho: um novo direito para a maioria

Portugal -   | Advocatus
Rui Valente, sócio responsável do Dpto. Laboral

Ao comentar, ou ouvir comentar, um qualquer jogo de futebol, é recorrente ouvir elogiar as jovens estrelas, com a mesma energia com que se sublinha a importância dos jogadores mais velhos. Realça-se que todos eles são importantes, ainda que por razões diferentes.

Mas no futebol, salvo um ou outro caso claramente excecional, a verdade é que estamos sempre a falar de atletas com menos de 40 anos.

Ainda no desporto, mas fora do futebol, mesmo quando somos confrontados com o espantoso e inesgotável ténis de alguns jogadores, um ténis que parece cada vez mais perfeito e eficaz à medida que a idade vai avançando, temos em mente, ainda assim, jogadores também com menos de 40 anos.

Um jogador experiente não é, portanto, um cidadão “sénior” – e cada menos será.

Em termos mais gerais, no meio do turbilhão do curto prazo, das maravilhas das constantes mudanças tecnológicas e do sistemático culto da juventude, nem sempre sobra disponibilidade para reparar no pano de fundo que com muita nitidez se vai instalando no mundo ocidental: cada vez menos crianças, cada vez mais população “idosa” e que (fruto da evolução da medicina) ficará idosa durante mais tempo.

Não estamos aqui a falar propriamente de preocupações de cariz diletante, ou contemplando um futuro longínquo, mas de um horizonte de 10, 20 ou 30 anos: vamos ser menos portugueses (em centenas de milhar), grande parte da população vai ter mais de 50 anos e, segundo dados recentes (veja-se um estudo notável, da Fundação Francisco Manuel dos Santos realizado por Maria Filomena Mendes e Maria João Valente Rosa), provavelmente mais de 25% das pessoas terá 65 ou mais anos. 

Inevitavelmente, ao menos ao nível da União Europeia e do resto do mundo ocidental, a percentagem do PIB gasto em pensões vai continuar a crescer significativamente. 

É já amanhã - ou antes, já está a acontecer enquanto estas linhas são lidas.

A resposta do mundo ocidental tem vindo a passar, como sabemos, pela redução do montante das pensões e pelo aumento da idade de acesso à pensão de reforma (entre nós, esse aumento vem sucedendo ao ritmo de um mês por ano). 

A abordagem vem sendo, por isso, apenas simplesmente reativa, o que não parece aconselhável dada a natureza estrutural do problema, que não é passível de inversão a curto ou médio prazo. Nem mesmo com uma melhoria da taxa de natalidade - propósito que, em todo o caso, já deveria estar também no “top 3” da lista de prioridades...

O horizonte parece assim sombrio: um Estado Social progressivamente asfixiado com as pensões e, mesmo com o aumento da idade da reforma, o advento de uma multidão cada vez maior de potenciais excluídos da sociedade em função da idade, abandonados a décadas de solidão por um sistema em que poderão mesmo ser cada vez mais vistos como “um fardo” para os demais.

Este cenário é, evidentemente, inaceitável para uma sociedade que coloque a dignidade da pessoa no centro das suas preocupações, além de ser insustentável no plano económico-financeiro e completamente irracional no plano social.

A magnitude do problema implica uma revolução urgente na abordagem das sociedades ocidentais, que terá de suceder nos mais diversos domínios, desde a Gestão, ao Direito Fiscal, aos Recursos Humanos e… ao Direito do Trabalho e da Segurança Social.

De facto, talvez uma das respostas (e talvez a melhor) passe por superarmos a lógica do simples adiamento da idade da reforma e seu embaratecimento como vias únicas de atuação, para começarmos a refletir sobre mecanismos verdadeiramente aptos a incentivar as pessoas a permanecer no mercado de trabalho (bem) para além dos 60 ou mais anos sem pedir a reforma, ou para continuar a trabalhar depois de já estarem reformadas.

Tal só será possível se se construir, com grande abertura intelectual (e de espírito) uma legislação nova (e de sentido inovador) especialmente pensada para os mais velhos, que não se resigne a manter, indiscriminadamente, modelos rígidos em matérias como a retribuição, o local de trabalho, ou da mudança de categoria/mobilidade funcional (entre tantas outras), sob pena de, sob a alegação de defesa de determinados direitos se estar, enfim, a contribuir para se negar aos mais velhos a sua inclusão no mercado do trabalho enquanto for essa a sua vontade e/ou necessidade.

Esta maioria populacional em formação tornará necessário adotar um novo modelo e exigirá que o mesmo seja construído.

Não só não repugna, portanto, começar desde já a olhar para o Direito do Trabalho sob a perspetiva daquela que vai ser, muito rapidamente, a maioria da população, como importa assumir este tema - já - como um verdadeiro desafio civilizacional.

Não deixemos envelhecer esta questão sem a enfrentar com ambição e esperança, até porque – correndo tudo como esperamos – das duas uma: é esta maioria de que já fazemos parte ou é para ela que caminhamos.