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Causa justa + Prova = Justa causa

Portugal -   | Público
Ricardo Grilo, associado senior do Dpto. Laboral; equipa de Sports & Entertainment da Garrigues

Na opção pela resolução contratual, o praticante desportivo deve pois ter presente o ónus probatório que sobre si recairá ao nível dos factos constitutivos da justa causa. 

Logo após os incidentes na academia de Alcochete, ouviram-se vozes de uma possível resolução contratual promovida pelos jogadores e equipa técnica de futebol profissional do Sporting Clube de Portugal, com fundamento na alegada violação de deveres de segurança. Sabemos já que alguns jogadores tomaram tal opção.

Numa reflexão mais geral e abstrata, importa, desde logo, recordar que o contrato de trabalho desportivo é um regime especial face ao regime do contrato individual de trabalho. Esta especialidade implica prudência na combinação de ambos, já que os princípios e objetivos que num se visam assegurar podem ser diametralmente opostos aos do outro. 

Na resolução com justa causa, enquanto no contrato de trabalho típico a possibilidade de desvinculação por parte do trabalhador é, em regra, livre, obrigando apenas a um aviso prévio, no contrato de trabalho desportivo – e salvo estipulação de uma cláusula de rescisão – o praticante desportivo não pode desvincular-se livremente e encontra-se, em princípio, obrigado a cumprir o contrato.

Visa-se a criação de condições para o desenvolvimento da competição, num ambiente “controlado” do ponto de vista da concorrência e da especulação, o que é aliás traço típico do conjunto regulatório do contrato de trabalho desportivo. 

De acordo com o regime do contrato de trabalho desportivo, só constitui justa causa “o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva”. Trata-se de um conceito mais exigente do que o previsto no Código do Trabalho. Exige-se uma culpa grave, um comportamento especialmente censurável que torne impossível a subsistência da relação de trabalho desportiva. Excluem-se assim comportamentos negligentes, com exceção, porventura, de casos de negligência manifestamente grosseira. 

Ao contrário do que sucede no Código do Trabalho (em que o legislador exige diferentes graus de censurabilidade ou “gravidade” da conduta, consoante a resolução seja promovida pelo trabalhador ou pelo empregador), no caso do contrato de trabalho desportivo, a intensidade deste juízo de censurabilidade é exatamente igual, independentemente de provir do clube ou do praticante. 

A conduta, para além de especialmente grave, deve ser também imputável ao empregador (clube) ou ao praticante desportivo. Esta pode não ser tarefa simples. É que, não existindo uma presunção de culpa suscetível de inverter o ónus da prova, caberá ao praticante desportivo a prova dos factos constitutivos da justa causa. No caso da violação de deveres de segurança, caberá ao interessado a prova de que os factos ocorridos resultaram da grave e culposa violação de regras de segurança pelo clube, os quais tornaram “impossível” a subsistência do contrato. 

Na eventualidade de vir a ser considerada a inexistência de justa causa, tal poderá até significar a fixação de uma indemnização tendente ao ressarcimento pelo praticante desportivo dos danos causados ao clube em consequência da resolução. Importa ter presente que o ativo de uma SAD assenta na sua estrutura, jogadores e equipa técnica, em torno dos quais orbitam elementos essenciais à vida da SAD (financiamentos, garantias, receitas de imagem, marcas, merchandising, etc.). 

Independentemente das coberturas ou garantias contratuais que o praticante desportivo consiga obter, em última instância será ele o responsável pela potencial ilicitude da rutura. Na eventualidade de resolução unilateral e sem justa causa por parte de um praticante desportivo, presume-se que o seu novo clube, a existir, interveio na cessação, estabelecendo-se um regime de solidariedade no pagamento da indemnização que seja devida ao clube anterior pela cessação ilícita. Neste campo, importa também não esquecer os potenciais efeitos do não reconhecimento da justa causa no processo de desvinculação desportiva de um praticante e as limitações daí decorrentes ao nível da participação em competições profissionais.

Na opção pela resolução contratual, o praticante desportivo deve pois ter presente o ónus probatório que sobre si recairá ao nível dos factos constitutivos da justa causa: a violação grave e culposa, imputável ao clube e que determine, no imediato, a impossibilidade prática da manutenção do contrato.