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Regime do Arrendamento Urbano: Não estraguem o que está feito

Miguel Marques dos Santos

A reforma do arrendamento urbano foi, sem dúvida, uma das reformas estruturais mais relevantes levadas a cabo por este Governo. O efeito potenciador da reforma, na economia e na reabilitação das nossas cidades, será certamente muito significativo.  

Os pessimistas do costume dirão que esta reforma só foi possível por causa da troika, que nós, sozinhos, nunca conseguimos fazer nada, que nenhum Governo teria a coragem necessária para implementar uma reforma com repercussões sociais tão marcantes. Eu sei, por experiência própria, que neste caso não foi assim. E não foi assim porque o atual Governo, ainda antes de ser Governo (ainda antes de existir a troika, mais precisamente) pensou e estruturou a reforma que iria implementar e essa reforma corresponde exatamente (com uma ou outra alteração de pormenor) ao regime que hoje temos. Foi portanto uma reforma estrutural pensada e estruturada para ser implementada como foi, com a consciência clara de que só por este caminho se ultrapassaria o desequilíbrio profundo em que o nosso mercado de arrendamento vinha vivendo há décadas.

A reforma veio, de uma forma equilibrada e sensata, quebrar o paradigma do passado, com contratos virtualmente eternos e rendas virtualmente congeladas, reintroduzindo o princípio jurídico básico da relação arrendatícia: o contrato de arrendamento é um contrato temporário, que não se confunde com o direito de propriedade, devendo o senhorio, esse sim proprietário, poder terminar o contrato e atualizar as rendas nos termos acordados entre as partes.

Com as novas regras, os senhorios passaram a poder iniciar processos negociais com vista à atualização das rendas, no âmbito dos quais, na falta de acordo, o senhorio pode fixar a renda anual em 1/15 do valor patrimonial do locado ou, em alternativa, denunciar o contrato, pagando uma indemnização de valor correspondente a sessenta vezes o valor correspondente à média entre a renda proposta pelo senhorio e a renda proposta pelo arrendatário. É um mecanismo justo e com garantias suficientes para os arrendatários, que em nenhuma circunstância são obrigados a sair do locado sem uma compensação razoável que lhes permita encontrar uma outra solução de habitação ou uma outra solução de localização para o seu estabelecimento comercial.

Acresce que o regime foi construído com uma preocupação central de proteção das situações mais vulneráveis, nomeadamente os arrendatários mais velhos, portadores de deficiência ou com menor capacidade financeira, no caso do arrendamento habitacional, e os arrendatários com estabelecimentos comerciais mais pequenos, no caso dos arrendamentos não habitacionais. Os mecanismos introduzidos criaram moratórias entre os cinco e os sete anos, garantindo assim o período de tempo necessário para que os arrendatários se possam adaptar às novas circunstâncias e possam encontrar novas soluções de habitação ou localização dos respetivos estabelecimentos comerciais.

É evidente que, apesar de todas as preocupações do Governo com o equilíbrio das soluções estabelecidas e com a introdução de mecanismos de proteção dos mais vulneráveis, uma reforma desta magnitude, que altera décadas de políticas erradas, não pode deixar de trazer consigo situações socialmente preocupantes. Situações que nos afligem a todos (e todos temos familiares ou amigos que estão a passar por momentos difíceis resultantes da aplicação da reforma do arrendamento). Mas essas situações, na medida em que mereçam proteção, terão que ser resolvidas pelo Estado, que é quem tem a obrigação constitucional de garantir o direito à habitação, e não pelos senhorios, que não podem ver o seu direito de propriedade limitado por o Estado se alhear das suas obrigações constitucionais.

Recentemente, um conjunto de pessoas com uma atitude retrógrada, demagógica, irresponsável e populista vieram qualificar a reforma da lei do arrendamento como "criminosa e "de extrema direita", alegando que deveria ser suspensa ou modificada. Mas será que estas pessoas não se dão ao trabalho de ver o que se passa nos outros países da Europa? Será que estas pessoas acham que a Inglaterra, a Alemanha, a França ou a Espanha, que há muito implementaram soluções do mesmo tipo, são regimes criminosos e de extrema direita? Será que estas pessoas pretendem vender a ilusão de que é possível fazer uma reforma desta dimensão sem custos sociais? Será que estas pessoas não conseguem pôr a realidade à frente dos seus preconceitos ideológicos datados e passar a ver a relação de arreamento como ela deve ser, temporária e de acordo com a vontade expressa pelas partes no contrato de arrendamento? Será que estas pessoas não conseguem perceber que as suas ideias têm um custo e têm que ser financiadas por alguém, não sendo jurídica nem eticamente razoável exigir aos senhorios que financiem o que o Estado não consegue financiar?

Os resultados da reforma, apesar de o tempo de aplicação ser ainda curto, são claros e evidentes: a ativididade de aquisição para arrendamento habitacional voltou a ser vista como uma atividade comercial normal, o número de casas para arrendamento tem vindo a aumentar sustentadamente, o investimento em reabilitação (nomeadamente em prédios arrendados) vem vindo a aumentar de forma clara, o mercado tende a regularizar-se, com o fim dos contratos antigos e a redução de rendas nos contratos novos, o que significa maior acesso ao mercado de arrendamento, quer para as famílias, quer para as empresas. Existe um ou outro aspeto formal a melhorar (particularmente no que se refere ao funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento), mas de uma forma geral a reforma está a produzir resultados muito positivos.

É importante resistir à tentação demagógica e populista de acreditar que as reformas se fazem sem consequências negativas. Este Governo teve a coragem política de implementar a reforma. Agora é importante que tenha a coragem política de não alterar o regime.