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Alteração à Lei do Arrendamento Urbano: Pior era difícil!

 | Magazine Imobiliário
Miguel Marques dos Santos

Várias vezes disse e escrevi que a reforma do arrendamento urbano de 2012 foi uma das grandes reformas estruturais levadas a cabo por este Governo.

No início do ano passado, também aqui no Magazine Imobiliário escrevi o seguinte:

A reforma veio, de uma forma equilibrada e sensata, quebrar o paradigma do passado, com contratos virtualmente eternos e rendas virtualmente congeladas, reintroduzindo o princípio jurídico básico da relação arrendatícia: o contrato de arrendamento é um contrato temporário, que não se confunde com o direito de propriedade, devendo o senhorio, esse sim proprietário, poder terminar o contrato e atualizar as rendas nos termos acordados entre as partes.

(…)

Os resultados da reforma, apesar de o tempo de aplicação ser ainda curto, são claros e evidentes: a atividade de aquisição para arrendamento habitacional voltou a ser vista como uma atividade comercial normal, o número de casas para arrendamento tem vindo a aumentar sustentadamente, o investimento em reabilitação (nomeadamente em prédios arrendados) vem vindo a aumentar de forma clara, o mercado tende a regularizar-se, com o fim dos contratos antigos e a redução de rendas nos contratos novos, o que significa maior acesso ao mercado de arrendamento, quer para as famílias, quer para as empresas. Existe um ou outro aspecto formal a melhorar (particularmente no que se refere ao funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento), mas de uma forma geral a reforma está a produzir resultados muito positivos.

(…)

 É importante resistir à tentação demagógica e populista de acreditar que as reformas se fazem sem consequências negativas. Este Governo teve a coragem política de implementar a reforma. Agora é importante que tenha a coragem política de não alterar o regime.”

Infelizmente, os piores receios contidos no último parágrafo deste texto do ano passado acabaram por ser levados à prática, através da infeliz e inoportuna alteração ao regime do arrendamento urbano publicada no passado dia 19 de dezembro de 2014 (Lei nº 79/2014).

É difícil de compreender (para não dizer impossível…), porque razão um Governo, que tinha feito uma reforma estrutural da máxima importância, tendo já sofrido na pele o desgaste político decorrente da introdução da reforma, vem agora, cerca de dois anos depois de ter tido a coragem de afrontar os lobbies e os interesses instalados, introduzir alterações ao regime, que não só modificam aspetos essenciais da reforma de 2012 como contribuem para tornar a lei mais difícil de interpretar, potenciando os conflitos na sua execução.

Para dar só três exemplos (haveria mais), atentemos no seguinte:

  • A Lei 79/2014 vem alterar o artigo 1103.º do Código Civil e o artigo 8.º do Decreto-Lei nº 157/2006 (Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados), estabelecendo que, para a denúncia de um contrato de arrendamento com fundamento em obras de remodelação ou restauro profundos, passa a ser necessário obter uma certidão camarária que ateste que a obra em causa constitui uma obra de demolição ou de remodelação ou restauro profundos que obriga à desocupação do locado, quando até aqui essa verificação era feita por termo de responsabilidade do técnico (arquiteto) autor do projeto. Ou seja, com esta alteração, volta a haver intervenção municipal no processo, com todas as consequências em termos de demora e incerteza (a dualidade de critérios é comum nas decisões municipais) na concretização da denúncia dos contratos de arrendamento e no início da realização das obras de reabilitação. 
  • A Lei 79/2014 vem alterar o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 157/2006 (Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados), restringindo a definição de obras de remodelação ou restauro profundo (ou seja, aquelas que permitem a denúncia do contrato de arrendamento para obras), no sentido de excluir obras que não estejam sujeitas a controlo prévio (licenciamento ou comunicação prévia). Ou seja, com esta alteração, deixa de ser possível denunciar contratos de arrendamento relativos a imóveis para a realização de certo tipo de obras que são indispensáveis para a continuidade do aumento do investimento na reabilitação urbana, como, por exemplo, as obras de alteração que consistam em “obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados ou coberturas” (por exemplo, obras de alteração de que resulte a modificação do número de fogos ou divisões interiores), as quais, em principio, estão isentas de controlo prévio.
  • A Lei 79/2014 vem alterar o artigo 29.º da Lei n.º 6/2006 (Novo Regime do Arrendamento Urbano, acrescentando que, no âmbito da denúncia do contrato de arrendamento, o arrendatário tem não apenas direito a indemnização por benfeitorias independentemente do estipulado no contrato (como já acontecia até agora, numa solução altamente contestada e possivelmente inconstitucional), mas tem também direito a essa indemnização “ainda que as obras não tenham sido autorizadas pelo senhorio”. Ou seja, a uma formulação legal que já era altamente discutível e potenciadora de conflitos e de litigiosidade (no momento do termo dos contratos), o Governo vem agora acrescentar ainda mais potencialidade de conflitos e de litigiosidade, numa formulação equivoca, que agrava de forma evidente o risco jurídico para qualquer investidor que pretenda investir na reabilitação de um prédio arrendado.

Será que o Governo, que insiste (e bem), de forma recorrente, nos dados do aumento do investimento em imobiliário e em reabilitação urbana, teve em conta que estava a alterar, a meio do jogo, as regras em que os investidores se basearam para voltar a investir em imobiliário em Portugal?

Não é necessário dizer mais nada. De facto, pior era difícil.