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Coronavírus: questões-chave que as empresas em Portugal devem ter em conta

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Comentário Portugal

Lidamos atualmente com uma crise de saúde pública, provocada pelo novo coronavírus («COVID-19»), cujo impacto no âmbito empresarial pode ter relevantes consequências legais, do ponto de vista contratual, de resolução de conflitos, laboral, regulatório e até mesmo penal. Este amplo espectro de potenciais incidências deve merecer especial atenção e ser abordado desde uma perspetiva legal multidisciplinar.

Desde 31 de dezembro de 2019, data em que a Comissão de Saúde Municipal de Wuhan (Província de Hubei, China) reportou um surto de 27 casos de pneumonia causada por um novo tipo de vírus que se tornou conhecido como coronavírus «Covid-19», muitos são os países que têm sido afetados pela sua rápida propagação. Portugal não é – foi - exceção.

A falta de informação sobre a origem da infeção deste novo vírus, a inexistência de tratamento ou vacina e a incerteza relativamente à sua capacidade de transmissão entre seres humanos estão a causar uma nova crise sanitária, que acarreta um impacto inegável na atividade das empresas e na economia em geral.

Face a esta situação inesperada, as empresas devem estar conscientes de que as várias limitações que resultam desta crise, além de interferirem no seu negócio habitual, podem ter consequências jurídicas relevantes em diversas dimensões, desde logo ao nível contratual, da resolução de litígios, laboral, regulatório e inclusivamente penal. Tais consequências podem afetar as obrigações e/ou os direitos das empresas, as suas relações com terceiros, com os seus trabalhadores e implicar mesmo a responsabilidade dos seus administradores ou gerentes, entre outros.

Perante este cenário e para minimizar os respetivos efeitos, as empresas dos mais diferentes setores (Hotelaria e Turismo, Automóvel, Transportes, Serviços, Administração Pública, entre outros) devem tomar decisões informadas e adotar medidas específicas e direcionadas para o seu tipo de atividade, tendo presente que as mesmas deverão ser tratadas desde uma perspetiva jurídica multidisciplinar. Para tanto, devem ser avaliados os efeitos que cada uma das suas ações ou omissões podem ter no contexto empresarial em se que se inserem.

No âmbito contratual, e por não ser possível estabelecer uma regra geral e transversal sobre procedimentos aplicáveis aos diversos setores ou indústrias, será necessário analisar cada caso de acordo com o tipo de atividade e, em particular, as concretas relações em vigor, tanto com clientes como com fornecedores.

Sem entrar numa análise exaustiva dos temas contingentes, será conveniente que as empresas prestem atenção especial ao seguinte:

  • É importante que sejam analisadas as apólices de seguros em vigor, muito em particular no que respeito aos âmbitos das coberturas contratadas e os procedimentos e prazos a serem considerados pelo tomador do seguro para efeitos da comunicação de eventuais sinistros. Devem ainda identificar-se as circunstâncias que agravam os riscos cobertos e os deveres que disso decorrem, bem como o impacto das concretas decisões que foram tomadas na empresa devido ao coronavírus e os seus efeitos.
  • Devem ser revisitados todos os contratos celebrados, tanto com clientes como com fornecedores e, em particular, verificar o que neles foi definido, se aplicável, como caso de força maior, os termos em que foi regulado o incumprimento de obrigações assumidas e por que riscos responde cada uma das partes. Para além disso, a existirem cláusulas com fundamentos de cessação antecipada dos contratos aplicáveis a estes casos, recomenda-se uma análise das mesmas no sentido de avaliar se podem as mesmas ser invocadas e em que casos, se ficaram compreendidas outras causas diferentes das expressamente acordadas (e se a sua abrangência permite a aplicação a este fenómeno concreto), e o regime a observar em cada situação específica.

Ainda sobre esta questão, as empresas devem estar cientes de que, mesmo perante um caso de força maior, poderá ser-lhes imposto um dever de mitigar os danos resultantes da suspensão de (ou mora no) cumprimento das suas obrigações, esgotando todos os meios ao seu alcance para evitar tal resultado. Neste contexto, também deve ser ponderada a possibilidade de se reverem os termos de um contrato quando o cumprimento do mesmo se mostrar desproporcionalmente oneroso, devido às circunstâncias já referidas, no limite através da celebração de um aditamento (de aplicação temporária ou não). Esta poderá ser uma alternativa a ponderar nos casos que a justifiquem.

Da mesma forma, e com o objetivo de analisar o conceito de força maior e o seu alcance, é essencial determinar a lei aplicável a cada contrato, uma vez que o mesmo e as suas possíveis consequências legais podem merecer tratamento distinto de jurisdição para jurisdição.\

No âmbito das relações laborais, as empresas poderão ter de enfrentar diferentes tipologias de situações, de que são exempl

  • A necessidade de gerir situações de falta, ou suspensão de contratos de trabalho por motivo de doença.
  • A circunstância de virem a ser consideradas como situações de ausência justificada as faltas dos trabalhadores em consequência de quarentenas obrigatórias impostas pelas autoridades sanitárias.
  • A revisão da aplicação das normas em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores. 
  • A ponderação do recurso a mecanismos de teletrabalho e de alteração temporária dos locais de trabalho.
  • O especial cumprimento das normas de proteção de dados quanto à informação especialmente sensível, como é o caso dos dados médicos e de saúde dos trabalhadores.

Conscientes de que destes múltiplos aspetos poderão eventualmente advir dúvidas e dissídios que originem reclamações judiciais ou extrajudiciais, é, além do mais, relevante identificar, não apenas o regime contratualmente vigente em cada caso, mas também a responsabilidade extracontratual em que as empresas possam incorrer em razão da estratégia adotada para enfrentar o contexto vivido e das decisões tomadas neste contexto.

Perante um eventual caso de litígio, será importante antecipar e evitar atos  contraditórios que podem resultar de decisões noutras áreas da empresa, decidir sobre a melhor forma de proceder à antecipação da prova e avaliar ponderadamente os termos da forma de cessação contratual que venha a ser acionada, com o objetivo de garantir que os mesmos asseguram, de modo adequado e suficiente, a cobertura da empresa contra reclamações de terceiros.

De um ponto de vista estritamente regulatório merecerão uma especial atenção os seguintes aspetos:

  • Obrigações das empresas em matéria sanitária, principalmente quanto ao cumprimento de deveres de informação e adoção de medidas preventivas e de cuidado determinadas pelas autoridades competentes.
  • Análise de contratos administrativos celebrados, em particular no que respeita às consequências de um eventual incumprimento e se, sendo o caso, este poderá integrar-se num caso de força maior.

Eventual responsabilidade civil da Administração Pública por danos decorrentes de ações ou omissões no exercício da atividade administrativa, e relacionadas com esta situação, que o particular não tenha o dever legal de suportar.

Finalmente, importa lembrar que o dever de cuidado imposto por lei aos membros dos órgãos de administração das sociedades implica a tomada e atempada implementação de decisões tendentes à contenção dos efeitos nefastos desta crise sanitária. Por esse motivo, e também desse ponto de vista, deverá estudar-se se das ações a executar (ou evitar) no contexto desta crise podem resultar focos responsabilidade civil ou mesmo penal para tais pessoas. Nestes termos, as decisões a tomar deverão ser informadas e ponderadas, tendo presentes os seus efeitos nas diversas áreas da empresa e seguir um processo de formação adequado. Será igualmente importante reunir evidências concretas destes processos decisórios, das opções feitas e respetivo racional e, desejavelmente, da monitorização regular dos impactos resultantes da respetiva implementação.