Criptomoedas: uma regulamentação incipiente entra na América Latina
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Criptomoedas: uma regulamentação incipiente entra na América Latina

A proliferação de criptomoedas é uma realidade no mundo todo, e na América Latina, que não é uma exceção, a regulamentação sobre a questão ainda é incipiente e, em alguns países, ainda não foi desenvolvida. Neste contexto, analisamos a situação em que se encontram alguns dos países mais representativos e os passos que estão sendo dados neste âmbito em que a tecnologia entra em jogo com as finanças.
COLÔMBIA
Na Colômbia, não há regulamentação no que diz respeito ao uso ou à circulação de criptomoedas. No passado, existiram (e ainda existem) alguns projetos de lei que visam regular a questão. No entanto, eles não foram amplamente discutidos nem tiveram o impulso pretendido.
Por enquanto, é preciso destacar que tanto o Banco de la República (autoridade monetária, cambial e creditícia do país) e a Superintendência Financeira da Colômbia (SFC) já se manifestaram quanto a esse tipo de ativos, alertando que não são moedas de curso legal, carecendo, portanto, de liberdade ilimitada para a extinção de obrigações, como ocorre com o peso.
Nesse sentido, a SFC salientou, quanto a seu reconhecimento de valor no marco legal para a infraestrutura do mercado de valores mobiliários na Colômbia, que não constituem um investimento válido para as entidades supervisionadas e que seus operadores também não têm autorização para assessorar e/ou gerenciar operações sobre eles.
Contudo, em setembro a SFC autorizou um projeto-piloto com o intuito de fornecer um espaço de teste (sandbox) para as entidades supervisionadas pela SFC, em aliança com plataformas de intercâmbio de criptoativos estabelecidas no país, poderem solicitar testar temporariamente, no espaço controlado, o tratamento de operações de cash-in (depósito de recursos) e cash-out (saque de recursos) sob um conjunto de condições e requisitos definidos para efetuar o teste-piloto.
CHILE
No Chile não existe uma regulamentação específica para estes ativos, nem para seus emissores ou intermediários, exceto no que respeita a sua tributação.
No entanto, diversos organismos públicos do país já se pronunciaram sobre eles. Desse modo, para o Banco Central as criptomoedas não podem se consideradas “moedas” na acepção legal do termo, devido à sua alta volatilidade e à falta de um emissor soberano que lhes dê suporte. Na mesma linha, a Comissão para o Mercado Financeiro tem destacado reiteradamente que, de acordo com a regulamentação atual, as criptomoedas não podem ser consideradas “valores mobiliários”.
Além disso, o Banco Central, a Comissão para o Mercado Financeiro e as Superintendências de Previdência e a Superintendência de Bancos e Instituições Financeiras têm insistido em especificar que, apesar da falta de um marco legal, os intermediários, emissores e compradores de criptomoedas devem cumprir com o marco regulatório geral que é adicionalmente aplicável a elas, o qual inclui, entre outros, a prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo e, na medida em que sejam efetuadas transações de intercâmbio internacional, a legislação e regulamentos de câmbio correspondentes.
Conforme mencionamos, a única instituição que regulamentou as criptomoedas no Chile é o Serviço de Impostos Internos (SII), o qual, através do Ofício Nº 963, emitido em 14 de maio de 2018, emitiu seu parecer quanto à tributação dos rendimentos obtidos na compra e venda de criptomoedas. A esse respeito, estabeleceu que os rendimentos obtidos nessas operações são enquadrados no N.º 5 do artigo 20 da Lei do Imposto de Renda, tributando os contribuintes com base nos impostos gerais estabelecidos pela lei (Imposto de Primeira Categoria, Complementar Global e Adicional, conforme aplicável). Além disso, estabeleceu que as vendas de criptomoedas não estão sujeitas ao Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) e incorporou ativos digitais na Declaração Juramentada N.º 1891, cujo objetivo histórico era registrar a compra e venda de ações e de outros títulos.
Para responder ao grande crescimento e sofisticação de plataformas financeiras, o Ministério da Fazenda elaborou, no ano de 2019, um projeto de lei para regular as empresas fintech, o crowdfunding e as criptomoedas, que entrou em seu primeiro trâmite legislativo durante o primeiro semestre de 2020, motivo pelo qual se espera que se encontre publicada e em vigor durante o anos de 2021.
MÉXICO
No México, o marco regulatório relacionado às criptomoedas foi estabelecido por meio da Lei para Regular as Instituições de Tecnologia (LRITF) publicada no Diário Oficial da Federação em 9 de março de 2018. Essa lei introduz o conceito de ativos virtuais no quadro legal internacional entendendo-se como tais ativos, segundo a LRIFT, “a representação de valor registrada eletronicamente e utilizada pelo público como meio de pagamento para todos os tipos de atos jurídicos e cuja transferência só pode ser efetuada através de meios eletrônicos” Nesse sentido, de acordo com a definição acima, as criptomoedas estariam contidas na definição de ativos virtuais.
No entanto, no que diz respeito ao uso das referidas criptomoedas, a LRTIF prevê que as Instituições de Tecnologia Financeira (ITF) mencionadas na referida lei só poderão operar com os ativos virtuais que o Banco do México determinar por meio de disposições gerais, e poderão realizar operações com elas apenas após autorização prévia do Banco do México.
Em relação ao acima referido, com o objetivo de cumprir as disposições da LRTIF, o Banco do México emitiu a Circular 4/2019, a qual possui um alcance bastante restritivo no que concerne ao uso de ativos virtuais pelas ITF e pelas instituições de crédito, por considerar que acarretam diversos problemas (incluindo de assimetria de informação para o público em geral e lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo), o que torna necessário que o sistema financeiro se mantenha a distância deles. Em consequência disso, atualmente as ITF e as instituições de crédito somente podem solicitar autorização para realizar operações internas, sem que possam ser autorizadas, em momento algum, operações através das quais se pretenda a prestação direta aos clientes de serviços de intercâmbio, transmissão ou custódia de ativos virtuais, devendo ser sempre impedida a transmissão, direta ou indireta, do risco das referidas operações aos clientes.
Finalmente, cabe mencionar que, a pesar do referido acima, o Banco do México indicou que, embora as ITF e as instituições de crédito no estejam autorizadas a oferecer ao público em geral operações com ativos virtuais, isso não impede que outras entidades possam efetuar as referidas operações (por exemplo, casas de câmbio de ativos virtuais), permitindo, assim, ao mercado mexicano o acesso às citadas operações às pessoas que assim o desejarem, podendo representar uma chance para os atores envolvidos neste mercado.
PERÚ
Até o momento, não existe no Peru uma regulamentação específica que proteja a oferta ou promoção de criptomoedas ou moedas virtuais, ou de unidades de valor chamadas tokens. Portanto, atualmente, esses tipos de ativos financeiros carecem do suporte de qualquer autoridade financeira ou entidade pública peruana e, portanto, as empresas que realizam tais ofertas ou promoções não estão sob a supervisão de tais entidades.
No entanto, é necessário destacar algumas disposições regulatórias que limitam a publicidade deste tipo de ofertas. Assim, o artigo 2.º da Lei 30050, de Promoção do Mercado de Valores Mobiliários (a mesma que foi modificada pela Quarta Disposição Complementar Modificativa do Decreto de Urgência n.º 013-2020, emitida em janeiro de 2020), estabelece que toda publicidade ou aviso sobre ativos financeiros que seja da competência da Superintendência do Mercado de Valores Mobiliários (SMV), do regulador do mercado de valores mobiliários local ou da Superintendência de Bancos, Seguros e AFP (“SBS”), do regulador financeiro local, respectivamente, que seja realizada com o objetivo de obter dinheiro do público em troca de retorno financeiro, um direito creditício, de dominical ou patrimonial ou de participação no capital, ou nos lucros do destinatário dos fundos, sob qualquer modalidade, e que se realize em território nacional, utilizando meios de comunicação de massa, tais como jornais, revistas, rádio, televisão, correio, reuniões, redes sociais, servidores de internet localizados em território nacional ou no estrangeiro ou outros meios ou plataformas, só podem ser realizados por sujeitos autorizados ou supervisionados pela SMV ou pela SBS.
Posição dos reguladores locais
A SMV alertou o público em geral, em diversos comunicados, sobre os potenciais riscos associados à aquisição de moedas virtuais, criptomoedas ou tokens, efetuada através de vários meios de comunicação eletrônicos ou digitais, advertindo o público da necessidade de se informar devidamente antes de empregar seu dinheiro nessas aquisições.
Por sua vez, a SBS informou que as moedas virtuais se encontram fora de todos os tipos de registro. Por não ser uma moeda no sentido tradicional do termo ( e sim bens virtuais que foram criados e que têm uma existência real e que podem ser comercializados no âmbito da liberdade contratual existente), é importante ser cuidadoso, dado que não se trata de uma atividade supervisionada pela SBS.
Na mesma linha, o Banco Central de Reserva do Peru (BCRP) especificou que que tais ativos financeiros não têm a condição de moeda de curso legal nem têm o suporte de bancos centrais e que, portanto, não cumprem plenamente as funções do dinheiro como meio de cambio, unidade de conta e reserva de valor. Do mesmo modo que os reguladores acima citados, têm instado o público a se conscientizar dos riscos, tais como perda do valor do seu investimento (devido à alta volatilidade de seu preço e à possibilidade de fraude) e sua possível utilização em atividades ilícitas.
Estatísticas
Em junho de 2019, Stefan Krautwald, membro do Conselho de Diretores da LATAM, anunciou que a BITPoint, líder mundial japonesa, iniciou suas operações no Peru desde o dia 1.º de junho de 2019 e indicou que o Peru é o terceiro país com maior número de transações de criptoativos na América Latina.
O que está vindo
Em 2019, algumas pessoas analisaram o potencial de implementação do uso de criptomoedas no setor turístico, ainda mais no mercado peruano, onde essa indústria é a terceira fonte de divisas e um dos setores com maior crescimento nos últimos cinco anos. Desse modo, os turistas que chegarem ao Peru poderiam usar as criptomoedas como ferramenta de pagamento para resolver problemas de câmbio e de segurança (por exemplo, roubos).
Finalmente, no início de 2020, o departamento de Supervisão de Risco Operacional da SBS, através da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), julgou conveniente avaliar a possibilidade de regular o setor de criptmoedas para evitar as situações de lavagem de dinheiro, uma vez que, desde o início das transações através de criptoativos, os riscos de serem utilizados para ocultar transações fraudulentas só têm aumentado.
Neste ano, a SBS, à qual a UIF está vinculada, prevê chegar a uma conclusão quanto à possibilidade de regular os negócios que operam com criptoativos em questões de lavagem de dinheiro.
BRASIL*
*conteúdo elaborado pelo escritório brasileiro NBF|A
O Brasil é um dos países do mundo que mais investem em criptomoedas em proporção à sua população. Apesar disso, a questão ainda carece de regulamentação no país. Por enquanto só existem projetos de lei em fase de tramitação no Congresso Nacional (entre eles, os Projetos de Lei 2303/2015, 2060/2019, 3825/2019 e 3949/19), além de algumas normas e declarações dispersas emitidas por diferentes autoridades públicas a esse respeito que, embora não tenham a intenção de regulamentar a questão de forma ampla, deixam claro que o investimento em criptomoedas é permitido sob certos parâmetros.
Um exemplo disso é a Instrução Normativa 1.888/2019 da Receita Federal do Brasil - RFB, que obriga os investidores e as exchanges a fornecer informação à RFB, mensalmente, sobre determinadas operações realizadas com criptoativos. Em particular, devem ser objeto de informação as operações realizadas por pessoas físicas ou jurídicas com exchanges estrangeiras e as não realizadas por meio de exchanges desde que em ambos os casos ultrapassem, individual ou conjuntamente, o valor mensal de R$ 30.000,00. As exchanges, por sua vez, são obrigadas a relatar todas as operações realizadas em suas plataformas.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), maior autoridade brasileira do mercado de capitais, também se manifestou a esse respeito. Em 2018, a entidade publicou as Circulares SIN 1/2018 e 11/2018, autorizando os fundos de investimento brasileiros regulamentados pela Instrução CVM 555/2014 a investirem indiretamente em criptoativos, por meio da aquisição de quotas de fundos, instrumentos derivados e outros ativos negociados no exterior, desde que sua negociação seja regulamentada no país de origem e observados determinados parâmetros. Também deve ser levado em consideração que sempre que, por suas características, o criptoativo se enquadre no conceito legal de “valor mobiliário” (security), nos termos do art. 2.º da Lei 6.385/1976, a operação em questão estará sujeita à regulamentação da CVM.
O Banco Central do Brasil, por sua vez, emitiu um comunicado em 2017 (Comunicado n° 31.379/2027) alertando o mercado sobre os riscos associados à negociação de criptomoedas. Em todo o caso, a entidade tem estado aberta à inovação, tomando um conjunto de medidas que visam incentivar a participação de novos modelos de negócio no mercado financeiro. Duas dessas medidas, em fase de implementação – o open banking e o sistema de pagamento instantâneo (denominado PIX) – têm como objetivo dar maior competitividade ao mercado, abrindo espaço para a atuação das chamadas fintech, incluindo aquelas que operam com criptomoedas.
Nesse contexto, é importante salientar que tanto a CVM quanto o Banco Central estão implementando seus respectivos programas sandbox (no âmbito da CVM, o sandbox regulatório está previsto na Instrução CVM 626/2020, e a regulamentação do Banco Central ainda não foi emitida) que visam a criação de ambientes regulatórios experimentais que autorizarão participantes qualificados a desenvolverem negócios inovadores com isenção ou flexibilização das autorizações regulatórias correspondentes. É aberta, desse modo, uma possibilidade interessante para os diferentes players do mercado de criptoativos poderem testar seus modelos de negócios sob a supervisão do regulador, enquanto a regulamentação definitiva está sendo desenvolvida.
URUGUAI*
*Garrigues não tem um escritório no Uruguai
No Uruguai não existe uma regulamentação específica para as criptomoedas, embora desde 2018, a Câmara Uruguai de FinTech tenha anunciado a formação de uma Comissão de Criptomoedas para analisar qual deveria ser seu marco regulatório. No entanto, a comunidade de negócios e jurídica do Uruguai tem sido sensível ao fenômeno, como evidenciado pelo fato de que, no final de 2019, foi realizada no Uruguai a sétima edição da Bit Conf, a conferência mais importante da América Latina sobre bitcoin e blockchain, além do fato de terem sido realizadas conferências e jornadas acadêmicas, nas quais a questão foi especificamente abordada.
Em termos gerais, a doutrina comercial se pronunciou no sentido de que as criptomoedas se enquadram na definição de bens que o Código Civil uruguaio contém (artigo 460), mas questiona que possam ser incluídas no conceito de “dinheiro eletrônico” incorporado no artigo 2 da Lei 19.210, de Inclusão Financeira, especialmente nos casos das chamadas criptomoedas “estáveis”, que têm um valor de suporte para sua emissão.