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Preços de transferência: ontem, hoje e amanhã

Para os mais desatentos, os preços de transferência são a ciência que regula a determinação dos preços que devem ser praticados entre entidades relacionadas visando prevenir a erosão das bases tributáveis e a transferência de lucros entre jurisdições.

Já faz tempo que os preços de transferência se limitavam à obrigação materializada num dossier, mais ou menos completo, nalguns casos apenas composto por faturas selecionadas, que decorava a estante e dava por encerrado, com a consciência do dever cumprido, o capítulo do cumprimento da correspondente obrigação tributária.

 

Para os mais desatentos, os preços de transferência são a ciência que regula a determinação dos preços que devem ser praticados entre entidades relacionadas visando prevenir a erosão das bases tributáveis e a transferência de lucros entre jurisdições.

 

Há uns meses, na "era pré-covid", já não havia gestor, diretor geral ou financeiro ou especialista em fiscalidade que ignorasse o tema, reconhecendo-lhe a importância e a especialização.

 

São inúmeras as questões colocadas: que preço devo suportar na aquisição de serviços de gestão ou de IT à minha casa-mãe? Esta alocou-me gastos que nada têm que ver com a minha atividade operacional, posso ser questionado? Vou vender um ramo da minha atividade a uma empresa do grupo noutra jurisdição, como fazer? Esta operação intragrupo parece-me muito complexa, e se celebrássemos um acordo com o fisco para garantir os efeitos? Tenho um problema de dupla tributação proveniente de um ajustamento efetuado pela Autoridade Tributária, que formas existem para o tentar solucionar?

 

Hoje, na "era pós-covid", os "problemas" intensificaram-se e a interferência dos preços de transferência agravou-se. A própria abordagem, mutável com a realidade empresarial, teve igualmente de se readaptar, tanto ao nível da sua racionalidade como à forma de olhar para esta realidade excecional.

 

São várias as áreas onde se verificam alterações, mais ou menos substanciais e, consequentemente, novas questões são suscitadas:

 

- Na atividade operacional propriamente dita: a existência de excesso de inventários legitima uma venda por preços abaixo do mercado? Os prejuízos a nível consolidado permitem excecionar situações de lucro (anteriormente garantidas) aos distribuidores ou prestadores de serviços de risco limitado? O valor de royalties suportado pelo uso de uma marca pode ser reduzido ou excecionado?

 

- Nas operações de natureza financeira: surge a necessidade de liquidez imediata e a incapacidade de suportar o serviço da dívida, o prolongamento da maturidade dos empréstimos e os atrasos nos pagamentos;

 

- Nos contratos intragrupo em vigor e nos acordos prévios de preços de transferência em negociação/negociados: podem deixar de ser cumpridas determinada(s) cláusula(s) diante do novo circunstancialismo económico?

 

O futuro, desconhecemos. Por ora apenas sabemos que o processo de documentação não será como tem sido, que a OCDE prepara "guidelines" relativas ao tratamento dos preços de transferência em tempos de pandemia (a publicar até ao final de 2020), que devíamos ter aprendido com anteriores crises adotando as decisões sobre operações intragrupo de forma planeada, consciente e coerente e que, esta ciência é, inequivocamente, uma ferramenta de gestão à disposição daqueles que tiverem a audácia e, ao mesmo tempo, a prudência para a usar. 

 

Associada Sénior da área de Preços de Transferência da Garrigues em Portugal

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