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Um apelo às entidades licenciadoras

Miguel Marques dos Santos

Os custos de contexto são comummente considerados um dos handicaps de Portugal no que se refere à atração de investimento, quer nacional, quer estrangeiro. De entre estes custos de contexto, a burocracia, a demora e a incerteza nos processos de licenciamento ocupam um lugar de destaque. O investimento imobiliário não é exceção. Apesar de termos assistido a melhorias evidentes nos últimos anos, o problema subsiste e tem consequências de enorme gravidade.

Todos os que nos movemos neste meio temos conhecimento de projetos de investimento que deixaram de vir para Portugal por este motivo e temos contato com investidores que, no mesmo período em que seguiam o calvário de licenciar a construção de um edifício em Portugal, conseguiam licenciar, construir e iniciar a rentabilização de outros edifícios do mesmo tipo noutras capitais europeias.

Num momento em que estamos a assistir a uma clara recuperação dos índices de investimento no setor imobiliário (particularmente investimento estrangeiro), essencialmente em ativos de rendimento mas também, de forma crescente, em ativos para reabilitar, seria do mais elementar bom senso que fossem dados passos decisivos no sentido de eliminar ou reduzir, tanto quanto possível os custos de contexto em matéria de planeamento e licenciamento urbanístico. O país não pode desperdiçar nem um euro de investimento estrangeiro, e a verdade é que, recentemente, a atividade de reabilitação de edifícios de alta qualidade em zonas prime voltou a ganhar relevância na captação de investimento estrangeiro para Portugal.

Durante muitos anos os regimes legais que enquadravam as atividades de planeamento e de licenciamento urbanístico foram tidos como os grandes fatores bloqueadores do investimento. Os diplomas legais que regiam estas matérias eram extremamente complexos e os procedimentos neles regulados eram kafkianos e desencorajadores de qualquer intenção de investimento. A verdade é que, com o contributo decisivo do programa simplex, os regimes do planeamento e do licenciamento urbanístico (e também os do licenciamento turístico e comercial) tiveram melhorias notáveis, passando a integrar procedimentos mais lógicos, lineares e fluídos.

Parece hoje evidente que o problema não está na lei, mas sim na forma como a lei é aplicada. O problema não é tanto dos meios disponíveis (neste caso, os diplomas legais aplicáveis), mas mais das pessoas que, na prática, concretizam esses meios disponíveis.

A questão que se coloca é a de saber o que é que podemos fazer para alterar este estado de coisas. Será assim tão difícil perceber quais os fatores chave para os investidores e agir sobre estes fatores, de modo a ultrapassar os correspondentes custos de contexto? Esta é a tarefa base de qualquer organização (perceber as necessidades dos seus clientes ou utentes e agir por forma a melhor satisfazer essas necessidades) e não há qualquer razão para que o Estado não o possa fazer também.

Sem prejuízo de a tarefa ser complexa (e em certa medida estar dependente da verdadeira reforma do Estado, que vem sendo adiada) existem muitas ações que podem desde já ser implementadas e que poderão fazer toda a diferença na perceção que os investidores estrangeiros têm sobre Portugal.

De entre estas ações, parecem-nos de destacar as seguintes:

(i) Deverá ser implementado um verdadeiro modelo hierárquico de decisão: é comum na administração pública Portuguesa os superiores hierárquicos limitarem-se a aceitar acriticamente os pareceres técnicos que lhes são dirigidos, mesmo quando não estão de acordo com esses pareceres. Isto leva a que um parecer mal dado por um técnico menos habilitado ou menos experiente possa paralisar um processo durante meses. Os dirigentes têm que passar a assumir as suas responsabilidades, eventualmente contrariando alguns dos pareceres técnicos que lhes são apresentados, por forma a garantir que situações deste tipo são minimizadas ou deixam de se verificar. Este modelo é já seguido em alguns serviços da administração publica (central e local), com evidentes consequências positivas, mas deve ser generalizado. Não há nenhuma organização que sobreviva quando o inferior hierárquico (teoricamente menos preparado e menos experiente) tem mais poder de facto do que o seu superior.
 
(ii) Deverá ser feito um esforço adicional de uniformização do output: todos os que lidamos com temas que envolvem planeamento e licenciamento urbanístico sabemos que a sorte dos procedimentos em que estamos envolvidos está totalmente dependente do interlocutor concreto no processo em causa. No sistema vigente, é possível, perante a mesma pretensão, ter decisões e tempos de decisão diametralmente opostos, em função do interlocutor concreto que nos é assignado. Os serviços deverão garantir a formação adequada dos seus interlocutores e o afastamento dos que não cumprem a sua função (como acontece em qualquer organização) por forma a garantir níveis adicionais de uniformização do output. Não há nenhuma organização que tenha sucesso (e seja bem percecionada pelos seus clientes ou utentes) se não houver um limiar mínimo de uniformização do serviço que prestam aos seus clientes ou utentes.

(iii) Deverá ser garantida a aplicação da lei nos seus termos atuais e não a aplicação da lei em função do que foi a prática passada dos serviços: por paradoxal que possa parecer, muitas vezes, os serviços, apesar de respeitarem a lei, não aplicam nem a letra nem o espirito da lei nos termos em que ela está em vigor em determinado momento, procurando “adaptá-la” à sua prática de anos. O exemplo clássico deste fenómeno são as comunicações prévias em matéria urbanística, que muitas câmaras tramitam como se de verdadeiros licenciamentos se tratassem. O Estado e os Municípios deverão garantir uma formação e atualização permanente dos seus agentes, por forma a garantir que a prática seguida é totalmente baseada na lei em vigor. A confiança dos investidores não pode existir se a perceção que têm é a de que a lei é uma coisa e a prática é outra.  
 
As ações acima referidas têm todas em comum o facto de não dependerem de alterações legislativas ou de estudos aprofundados, mas apenas da vontade dos agentes públicos. Por outro lado, estas ações não têm quaisquer custos financeiros associados (dependem essencialmente de atitude e formação interna), pelo que não se pode sequer falar da questão da relação custo / benefício – neste caso existe apenas benefício.

E existindo apenas beneficio, só os interesses instalados, o imobilismo ou uma conceção ideológica de Estado totalmente virada para dentro poderiam justificar a não implementação destas ações. Assumindo que nada disto se verifica, e que os nossos atuais dirigentes (quer ao nível do poder central, quer ao nível dos municípios) estão efetivamente preocupados com o futuro de Portugal e dos Portugueses, então não há de facto razão para que não se vão dando estes passos na direção certa.

Este texto constitui um apelo aos nossos dirigentes políticos e titulares de cargos dirigentes da administração pública (central e local), para fazerem um esforço adicional na implementação de ações do tipo das acima referidas. É evidente que ações mais abrangentes, integradas no âmbito da reforma do Estado, são desejáveis e sempre preferíveis. Mas se desde já forem implementadas ações do tipo das atrás referidas (que só dependem de vontade politica) isso constituirá já um contributo decisivo para a minimização dos custos de contexto.