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Imobiliário: mau e bom exemplo

 | Magazine Imobiliário
Miguel Marques dos Santos

O mercado imobiliário tem sido muitas vezes apontado como um exemplo, à escala de um setor, do que de mau aconteceu ao país.

Segundo alguns analistas, a crise do mercado imobiliário, que se vem sentindo desde 2008 e se agravou particularmente nos anos de 2011 e 2012, resultou de um cocktail explosivo com ingredientes em tudo idênticos aos ingredientes que levaram Portugal à situação desesperada vivida em 2011 (ano do resgate).

As orientações políticas erradas (como o incentivo à casa própria em detrimento da casa arrendada e o incentivo à construção nova em detrimento da reabilitação), a legislação obsoleta (ao nível do arrendamento e do licenciamento urbanístico, especialmente em matéria de reabilitação), o crescimento do mercado pela via do endividamento e do consumo interno e o investimento estrangeiro claramente insuficiente, são aspetos próprios do mercado imobiliário que são claramente transponíveis para a realidade do País.

Hoje é evidente para todos (à exceção de alguns setores mais à esquerda, para quem a realidade não é o que é, mas aquilo que gostavam que fosse) que Portugal, nas últimas décadas, foi vítima de orientações políticas profundamente erradas (a politica do “betão” é um exemplo paradigmático), manteve quadros legislativos totalmente anacrónicos (como a lei do arrendamento, a lei laboral, a lei da concorrência, o regime “laboral” do setor público, entre muitos outros), fez uma aposta profundamente errada no endividamento e no consumo privado e desvalorizou de forma irresponsável as exportações o investimento estrangeiro (agravando as condições de investimento, em vez de as melhorar).

Parece, assim, uma evidência, que aquilo que, à sua escala, aconteceu no mercado imobiliário, aconteceu também, em termos mais macro, no país. O mercado imobiliário foi, até 2012, um modelo reduzido da realidade portuguesa. O que se fez no mercado imobiliário até 2012 funcionou como uma mau exemplo do que não deveria ter sido feito no país, mas que, infelizmente, sabemos que foi feito.

Mas é também uma evidência que os aspetos que antes caracterizavam o mercado imobiliário estão em clara mudança.

As orientações políticas erradas converteram-se em orientações políticas certas (o foco passou a centrar-se claramente no arrendamento, em detrimento da habitação própria, e na reabilitação dos centros urbanos, em detrimento da construção nova na periferia), a legislação ineficiente foi profundamente alterada por novos diplomas que respondem às necessidades do mercado (foi publicada a nova lei do arrendamento, a nova lei das obras em prédios arrendados, a nova lei da reabilitação urbana e o regime especial da reabilitação urbana), o endividamento e o consumo privado foram reduzidos para níveis compatíveis com um mercado saudável e, finalmente, o volume de investimento estrangeiro está a aumentar de forma muito expressiva, permitindo fluxos de capitais que se mostram determinantes para a regularização da atividade bancária e da atividade dos diversos atores do mercado imobiliário.

É evidente que há ainda um longo caminho a percorrer, mas os fundamentais estão definidos e a evolução positiva parece ser mais ou menos certa. Nem tudo está bem e há ainda empresas do setor que passam por grandes dificuldades. Mas aquelas que conseguirem ultrapassar este período difícil terão certamente um ambiente mais saudável e verdadeiro para crescerem e se afirmarem. É claro que o endividamento vai voltar a aumentar e que o consumo privado (nomeadamente na aquisição de habitação própria) vai voltar a subir, mas desde que tudo isso aconteça dentro de padrões razoáveis, esses aspetos serão benéficos para a evolução normal do mercado e já não fatores de preocupação e estrangulação do mercado, como aconteceu no passado.

Esta evolução do mercado imobiliário faz com que ele já não deva ser visto como um mau exemplo para o país, mas antes como um modelo do que deveria ser implementado ao nível mais macro.

Portugal merece ser um país com orientações políticas corretas, com uma produção legislativa comparável com as melhores práticas internacionais, com níveis de endividamento e consumo privado sustentáveis, com soluções claras de atracão de investimento estrangeiro. O Governo tem feito um enorme esforço nesse sentido. Mas é necessário ir mais longe. Tudo isto já foi feito ou está a ser feito no setor imobiliário. É um bom exemplo para as reformas que Portugal (particularmente o Estado) ainda tem à sua frente.