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Benefícios fiscais

Portugal -   | Jornal Económico
Fernando Castro Silva, sócio responsável do Dpto. Fiscal

A mera circunstância de se utilizar na quantificação da despesa fiscal o critério da receita cessante, infeta irremediavelmente a transparência dos resultados pelo seu caráter deturpador. 

Data de 2005, a última iniciativa política, pela mão do então ministro das Finanças Prof. Dr. Luís Campos e Cunha, do Governo liderado por José Sócrates, tendo em vista a reavaliação dos benefícios fiscais.

No momento em que se torna pública a iniciativa do atual Governo de proceder à revisão sistemática do panorama legal dos benefícios fiscais, pode ser útil comentar alguns dos pontos marcantes deste macro tema fiscal.

É um tema que pesa, nada menos que cerca 5,7% do PIB nacional (2017). Cada português suportará cerca de 1.000 euros por ano desta despesa, a qual, na medida em que assenta precisamente na derrogação da igualdade tributária, promove a iniquidade sob o pretexto de atingir bens maiores que esse, envoltos sob a capa da chamada extrafiscalidade. 

A despesa fiscal do Estado (sem incluir a despesa fiscal da administração local) evoluiu no último decénio, atingindo cerca de 10.567 milhões de euros em 2017, sendo que o pódio dos benefícios que contribuíram para esta última cifra integra o IVA, o imposto do selo e só depois o IRS e o IRC.

Não temos aqui a ambição de dissecar e examinar a morfologia desta despesa mas, muito simplisticamente, deixar nota de alguns dos aspetos que reputamos marcantes deste sorvedouro tributário que abastece um numeroso conjunto de “privilegiados fiscais” em detrimento dos demais “lesados do fisco”! 

A própria deteção da informação sobre a despesa fiscal sofre da mesma falta de transparência ou, pelo menos, de diligência, que a importância do tema mereceria. Com efeito, por exigência do Memorando de Entendimento, o governo esteve obrigado a redigir um relatório detalhado da despesa fiscal. Todavia, com o termo da intervenção da troika, o referido relatório, ao que sabemos, deixou de ser elaborado pelo governo, sendo apenas conhecida a versão publicada com referência ao ano 2013 e limitando-se a informação pública disponível à que se insere no Relatório do Orçamento do Estado, limitada no seu conteúdo e objetivos. 

Mas este tema da falta de informação detalhada e atualizada sobre para onde vão e para que servem os privilégios que proliferam no ordenamento tributário e consomem a receita fiscal, não se esgota aqui.

A mera circunstância de se utilizar na quantificação da despesa fiscal o critério da receita cessante, infeta irremediavelmente a transparência dos resultados pelo seu caráter deturpador e suscetível de aproveitamento demagógico. Vejam-se, a título de exemplo, as referências feitas por certos setores políticos à ‘brutal’ despesa fiscal decorrente dos benefícios atribuídos às empresas no Centro Internacional de Negócios da Madeira ou dos concedidos aos residentes não habituais. 

Outro grande obstáculo de uma análise rigorosa da problemática dos benefícios fiscais é a que resulta da incapacidade de escrutinar a correlação entre cada um dos benefícios fiscais e a extrafiscalidade que visam satisfazer. Por outras palavras, determinar a despesa associada a cada benefício estabelecido ou a estabelecer e avaliar a respetiva relação custo-benefício. 

Poderá, fundadamente, afirmar-se que os benefícios fiscais que têm por extrafiscalidade relevante o investimento das empresas (v.g. o SIFIDE, o CFI ou a DLRR) têm sido determinantes para as opções dos empresários nas respetivas políticas de investimento; ou que os benefícios fiscais a determinado tipo de poupanças em detrimento de outras, têm permitido atingir o objetivo de reforço da poupança a médio e longo prazo, e isto sem prejudicar outros tipos de poupanças, i.e. sem ser antieconómico; ou, ainda, que os benefícios à reabilitação urbana têm cabimento numa economia em que o imobiliário tem um dinamismo próprio não carenciado de outros ‘favores’; ou, por último, será demonstrável que os múltiplos benefícios fiscais e parafiscais ao emprego, em sede de IRC ou de segurança social, têm de alguma forma contribuído para a decisão de os empregadores reforçarem as suas estruturas produtivas, ou trata-se de mera ‘subsidiação’ indireta de certo tipo de objetivos de política económica? 

Seria a eliminação da maior parte dos benefícios fiscais e a redução transversal da carga fiscal uma medida mais eficiente (e simples) de política fiscal?

Enfim, é de louvar a anunciada iniciativa de promover o estudo e reavaliação do panorama atual dos benefícios fiscais, lançando as bases para a sua reforma profunda e para a ponderação simultânea da correlação da economia e sua competitividade, do bem-estar social e da sustentabilidade com o incontornável sistema fiscal que, nos termos constitucionais, visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e a repartição justa dos rendimentos e da riqueza. Há dez mil milhões de razões para deitar mãos à obra!