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Reformas Estruturais

 | Magazine Imobiliário
Miguel Marques dos Santos

O sector imobiliário enfrentou, durante décadas, um conjunto de questões estruturais que contribuíram de forma evidente para limitar o seu desenvolvimento.

De entre essas questões estruturais destacavam-se, sem prejuízo de outras também importantes, a questão do mercado do arrendamento (um mercado que durante quase cem anos foi totalmente distorcido por um regime legal anacrónico e desajustado), a questão do licenciamento urbanístico, em particular na vertente da reabilitação urbana (com um regime jurídico baseado num conjunto de normas cuja complexidade e burocracia afastavam qualquer investidor competente), e a questão da justiça (que por ser morosa, cara e incerta era também, e continua a ser, um factor de afastamento de investidores, especialmente de investidores estrangeiros). Como é sabido, tanto o arrendamento urbano, como o licenciamento urbanístico e a reabilitação urbana, foram objecto de reformas profundas nos últimos anos, sem dúvida verdadeiras reformas estruturais, as quais, embora estejam ainda a dar os primeiros passas, são já reconhecidas como capazes de alterar o panorama do arrendamento e da reabilitação urbana. É já claramente visível, em cidades como Lisboa e Porto, que os investidores, tanto nacionais como estrangeiros, mas particularmente estes últimos, estão a voltar a investir em força em projetos de reabilitação, em parte para arrendamento. As zonas históricas destas cidades, transformadas em verdadeiros estaleiros, vão testemunhando o (re)aparecimento de velhos-novos edifícios, que tornam realidade a tão apregoada máxima das últimas décadas (mas nunca antes levada à prática) da reabilitação urbana versus construção nova. E é hoje claro para todos que estes velhos edifícios reabilitados transportam consigo verdadeiras alterações estruturais, de vivência, materializadas no regresso da vida aos centros das cidades, na reocupação de edifícios abandonados há dezenas de anos e na reafirmação e rejuvenescimento do comércio de rua. É evidente que haverá sempre aqueles que, mais por militância do que por convicção, estão contra estas reformas (como estão contra todas as reformas), mas a verdade é que os resultados estão aí e já não há como escondê-los.

A reforma da justiça, próximo passo essencial para reforçar o ambiente de confiança dos investidores (não só no setor imobiliário, mas de uma forma geral), está também finalmente em marcha. E, ao que tudo indica, vai igualmente no bom sentido. Pelo que se sabe, a reforma passará pela profissionalização (ainda que parcial) da gestão dos tribunais, por uma clara aposta na especialização, por um reforço de meios nos setores mais relevantes para o funcionamento da economia, por um crescimento do investimento na investigação criminal, pela fixação de objetivos e metas de cumprimento e pelo (inevitável) fecho de cerca de vinte tribunais (aqueles que têm um histórico de menos de duzentos e cinquenta processos por ano).

Também aqui o coro de críticas não se fez esperar. A demagogia e o populismo têm destas coisas: basta que se preveja o encerramento de um serviço público em qualquer localidade do interior (e neste caso, infelizmente, mas sem alternativa, são vinte) para virem logo os interesseiros do costume, tentar tirar dividendos políticos, corporativos ou de qualquer outra natureza. E o triste da questão é que, como sempre, também aqui a batalha se centrou nisso mesmo, na questão dos encerramentos, sem uma palavra (salvo raras e honrosas exceções) sobre as questões de fundo da reforma. Seria importante que estes defensores do interior percebessem que, nas últimas décadas, nem as juntas de freguesia, nem os postos dos correios, nem as repartições de finanças, nem os tribunais evitaram a desertificação do interior, porque a desertificação não se evita pela manutenção artificial de organismos públicos obsoletos, mas sim com a criação de incentivos ao investimento e discriminações positivas, que levem os investidores e os trabalhadores a optar pelo interior (mas para isso é necessário uma economia e um Estado Fortes, com recursos escrupulosamente direcionados para aquilo que interessa e não para a satisfação de corporações instaladas - tudo coisas que por cá não abundam).

O facto é que a reforma da justiça vai avante e trará certamente para todos uma justiça tendencialmente melhor e mais rápida (também para aqueles que agora tão acaloradomente a criticam). Assim o queiram os juízes, magistrados do ministério público, advogados, solicitadores e funcionários judiciais e a reforma certamente produzirá os seus frutos.

A faltar fica apenas a mãe de todas as reformas: a reforma do Estado. A reforma que por ter uma reforma horizontal potenciará todas as outras reformas. Há quem diga que o atual Governo perdeu a oportunidade de o fazer. A verdade é que com a atual orientação política do Tribunal Constitucional tenha um (com)posição maus amiga da mudança. Era importante, porque sem a reforma do Estado as restantes reformas atingirão o seu pleno.