Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

A lei Helms-Burton e a União Europeia

Reativou-se um sério risco para os investidores da UE com interesses em Cuba de [...] se verem confrontados com pedidos de indemnização reclamados junto dos tribunais norte-americanos.

Em meados de abril deste ano, o secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo anunciou o fim da renovação da suspensão do Título III da Cuban Liberty and Democratic Solidariaty (LIBERTAD) Act of 1996, também conhecida pela lei Helms-Burton, afirmando que "todas as pessoas e empresas que tenham negócios em Cuba, deverão prestar atenção a este anúncio".

Tinha razão, pois com a entrada em vigor do Titulo III que ocorreu no passado dia 2 de maio, antecipa-se uma avalanche de ações de indemnização contra empresas com interesses em Cuba.

Em março de 1996, após o derrube de duas avionetas ao largo de Cuba operadas pela organização Hermanos el Resgate, com sede em Miami, o Presidente Clinton assinou a chamada lei Helms-Burton.

Um dos pontos mais polémicos desta lei reside no seu Título III, o qual concede a qualquer cidadão dos EUA (incluindo cubanos que tenham obtido a cidadania dos EUA) cujos bens tenham sido confiscados em consequência do processo revolucionário cubano de 1959, o direito a reclamarem judicialmente nos EUA indemnização por danos contra investidores estrangeiros que tenham beneficiado economicamente ("traficado") de tais bens.

Dadas as reações internacionais negativas que suscitou logo à data da sua assinatura, este Título III nunca chegou a ser aplicado, tendo as sucessivas administrações norte-americanas, desde a sua assinatura, suspendido a sua aplicação.

Tal suspensão cessou e agora existe o receio de que a formulação bastante ampla do termo "trafficking", constante do Título III, venha a favorecer possíveis tentativas de estender os efeitos extraterritoriais deste conjunto de normas a um vasto leque de destinatários.

A resposta da União Europeia (UE) para neutralizar os efeitos da aplicação extraterritorial da lei Helms-Burton, por a considerar violadora do direito internacional, não se fez esperar e surgiu logo em 1996 por via do chamado Estatuto de Bloqueio (Regulamento (CE) nº 2271/96 do Conselho, de 22.11.1996), o qual foi recentemente atualizado.

Este Regulamento aplica-se a todas as pessoas residentes da UE e nacionais de um Estado-membro, bem como a todas as pessoas coletivas constituídas na UE proibindo-as de cumprir, diretamente ou através de filial ou qualquer intermediário, qualquer exigência, mesmo que proveniente de um tribunal dos EUA, baseada na lei Helms-Burton. Sem prejuízo, a Comissão Europeia pode autorizar, mediante prévio pedido fundamentado do interessado, o cumprimento, total ou parcial, da lei Helms-Burton na medida em que a sua inobservância possa prejudicar seriamente os interesses da pessoa em causa ou da própria UE.

O Regulamento estabelece ainda, quanto aqueles que forem afetados pela aplicação da lei Helms-Burton ou por medidas nela baseadas, uma obrigação de notificação à Comissão Europeia no prazo de 30 dias a contar da data do conhecimento dessa circunstância.

Por último, e não menos importante, este Regulamento veio estabelecer uma dupla proteção aos operadores económicos da UE que sejam afetados pela aplicação do Título III da lei Helms-Burton: (i) as sentenças ou decisões administrativas estrangeiras que apliquem tal lei não serão reconhecidas ou executadas na UE; (ii) os operadores económicos da UE afetados têm direito à reparação de quaisquer danos sofridos, incluindo as custas judiciais que suportaram, através do instauração de uma contra-acção judicial na UE visando os responsáveis pelo dano, incluindo qualquer pessoa que atue em nome ou como intermediário deste.

Reativou-se, assim, um sério risco para os investidores da UE com interesses em Cuba de, por via da aplicação do Titulo III da lei Helms-Burton, se verem confrontados com pedidos de indemnização reclamados junto dos tribunais norte-americanos. Caso tal suceda, para além do cumprimento das obrigações acima referidas, importa avaliar e ativar os adequados meios judiciais reativos disponíveis na UE para procurar neutralizar ou mitigar os efeitos adversos de tal litigância.
Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio